Você não carrega nada consigo

Você é apátrida, um mal intencionado. Diz defender a democracia mas só pensa no próprio lado. Queria que todos como você fossem analfabetos políticos, mas não são. A verdade é que você vive num país de desigualdade abissal e sente-se feliz em fazer parte da minoria. Nesse caso, um pouco mais de igualdade inevitavelmente faria com que você perdesse algum (ou muitos) dos seus privilégios. E é exatamente aí que reside o “X” da questão: essa sua raiva em relação “a tudo isso que está aí” fundamenta-se no pavor que sente ao pensar que poderá chegar o dia em que não mais você será de alguma forma diferenciado. Mesmo que as disparidades sociais tenham pouco sido atenuadas, foi o suficiente para alertá-lo de que esse não é um caminho interessante a seguir.
Repito: você não é patriota. De posse das cores da bandeira, que nada mais é do que um símbolo que adotamos por convenção, você diz defender o país. Advoga em causa própria! Mente! A pátria são os outros... são aqueles que direta ou indiretamente o servem todos dias para que haja a manutenção da sua vida. São as pessoas ditas importantes mas, sobretudo, são muitos mais aqueles dos quais todos os dias você desvia o olhar por desprezo ou vergonha. Aqueles que realmente têm o porquê se manifestarem, mas que, no entanto, quando o fazem, são recriminados e, as suas demandas, quase sempre criminalizadas.
Você finge ignorar os fatos. Ou melhor, se apraz com a distorção dos mesmos. Lê Veja, Folha, adora a Rede Globo. Curte o estilo de vida dispendioso de atores, jogares, demais famosos e ditos bem-sucedidos. Enxerga-os como exemplo a ser seguido. Alguns dos semelhantes a você fazem parte da eleita elite, mas muito provavelmente, você é classe média. Média em tudo. Medíocre, de mediano. Não que todo classe média seja como você, mas você queria muito ser rico, ou ao menos, um pouco mais abastado do que já é. Você á a cara dos meios de comunicação que a ti representam: para existir, bajula os ricos e poderosos em detrimento da grande maioria do seu povo. Não gosta de pobre, admira “os americanos”, não está nem aí pra causa palestina, “bandido bom é bandido morto”, “esses sem-terra são todos bandidos”, “o moleque tem que ir pra cadeia”, “Naquele lugar, àquela hora, fazendo o quê? Se morreu, rezando é que não estava”.
Admito, tem muito pra melhorar. No entanto, mais já podia ter sido feito caso os seus "ídolos" não fossem contumazes agentes do retrocesso. Concordo, muitas são as atitudes e condutas inadmissíveis que devem, a cada dia mais, serem banidas para que evoluamos enquanto democracia. Você sabe que essa expropriação data da colonização. Sabe também que a regulamentação dos meios de comunicação nada tem a ver com censura, e sim com o fim da aberrante concentração midiática desde sempre existente. Tem  ciência de que milhares foram mortos durante a ditadura, que o Estado mata nas periferias, que o filho da sua empregada improvavelmente será médico ou juiz, que não só o PT é corrupto, que tem muito tucano ladrão (aliás, são os campeões no critério ficha-suja), que existem interesses espúrios por trás do que acontece hoje com a Petrobrás, que muito pastor explora a fé alheia, que hoje muito menos pessoas morrem de fome no Brasil.

Mas, pouco importa. Você não quer que exista uma melhora, uma solução. Você quer a derrubada do governo. Apoia o golpe. Quer assegurada a manutenção do status quo que o difere dessa "gente feia que agora achou de ter direitos". Quer tirar sua selfie sossegado e um dólar barato pra trazer perfume e eletrônicos enrustidos sempre que possível das viagens ao exterior. Caso não seja senhor de engenho, mantenha-se a escravidão desde que assegurado o seu lugar como feitor ou capitão-do-mato. Hipócrita! O seu protesto é vazio. Você não carrega nada consigo.

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